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Mary Boada

     O número de refugiados e migrantes venezuelanos já ultrapassou 3,4 milhões, segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). Durante 2018, cerca de 5 mil pessoas deixaram a Venezuela todos os dias em busca de proteção ou uma vida melhor. Mary Boada, 21 anos, é uma delas. Sem poder contar com o governo do país para melhorar sua condição de vida, ela decidiu agir por conta própria.

 

Em 2013, quando Maduro assumiu o poder, a situação na Venezuela se complicou e a economia foi extremamente afetada. Com o papel moeda difícil de conseguir no país, ele passou a valer mais do que o pagamento em cartão. É preciso enfrentar horas de uma fila que se inicia ainda na madrugada para sacar uma quantidade limitada de bolívares soberanos, a moeda venezuelana. A crise chegou a um ponto em que a população começou a passar fome.

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Com a inflação elevada, muitas empresas deixaram o país e os alimentos e produtos em supermercados e farmácias ficaram escassos. Mary e a família começaram a passar por dificuldades quando a mãe, que sustentava a casa com a venda de bolos e doces, foi obrigada a parar por conta do valor elevado dos ingredientes.

 

A Venezuela se tornou palco de violência e truculência militar. Durante os protestos contra o governo na faculdade, Mary não aceitou ser mais uma vítima. Desistiu do curso, por saber que demoraria mais do que o previsto para se formar por conta da situação econômica do país. 

(Foto: Sofia Hermoso)

O sonho de conhecer o mundo não era novidade e aproximou a venezuelana do que seria seu próximo destino. O grupo de mochileiros no Facebook mostrou uma possibilidade de fugir do país em crise. Foi lá que conheceu um brasileiro que se dispôs a ajudá-la a sair daquela situação. “Ele falou que tinha um amigo dono de um restaurante em Bauru e que ia conseguir um emprego pra mim, como barman. Na Venezuela, eu tinha feito um curso de barman e consegui o emprego. A gente combinou como seria e ele iria pagar tudo: transporte, avião, onde chegar, onde morar, etc”, conta Mary.

 

A condição de ser mulher em um país desconhecido assusta. A de confiar em um homem desconhecido de outro país, assusta ainda mais. Mas a fome e a violência ignoram gênero. Ao contrário do que deveria, os mais vulneráveis que continuam a ser os mais vulneráveis. Com 21 anos e informações suficientes para saber disso, Mary encontrou no refúgio uma chance de reconstruir a vida que mal começou - e que carrega muito mais experiências do que sua idade aparenta.

“Ainda que você tenha feito faculdade, quando vai atuar na área você não ganha o que merece. Até os vendedores ambulantes ganham mais do que um profissional. Está tudo quebrado, não dá nem para estudar porque você não vale nada na Venezuela”.

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(Foto: Sofia Hermoso)

Decidida, ela colocou a coragem na mala e enfrentou um longo caminho até o destino final. Com a alta demanda, o transporte até a fronteira com o Brasil virou um negócio na Venezuela. O preço da viagem de carro por pessoa varia todos os dias e pode ser pago em dólar, real ou bolívar soberano. Durante 9 horas, dividiu a estrada com pessoas desconhecidas. Já em território brasileiro, conseguiu uma carona até Boa Vista, Roraima, onde passou uma noite. Lá, quase não viu brasileiros: “A partir das sete da noite todo mundo sai na rua, do jeito que o venezuelano gosta. Tinham vários dormindo na rua, no chão”, relembra Mary. No dia seguinte embarcou em um avião pela primeira vez com destino à Campinas e, por fim, chegou em Bauru, cidade do interior paulista que só conhecia através do Google.

 

Contra todas as possibilidades que se vê em noticiários diários na televisão, a ajuda do desconhecido brasileiro foi sincera. Mary acredita que tudo foi sorte. Encontrou em seu caminho pessoas de bem. No Brasil, já sentiu medo por uma mulher que apanhava de um homem na rua enquanto ninguém fazia nada. Mas com ela, a vida foi boa até aqui.

 

Em menos de um ano de Brasil, não se arrepende de nada. O maior medo era em relação ao idioma e já ficou para trás; em pouco tempo se deu bem com o português. Além do trabalho como barman, Mary faz um curso de organizadora de eventos e quer começar a faculdade. Daqui há quatro anos, quando conseguir a nacionalidade brasileira, pretende seguir com o sonho de viajar e conhecer outros países.

 

“Tenho muita saudade da minha terra, das pessoas, porque a gente era muito unido, mas agora a situação destruiu isso.” Antes, os vizinhos se reuniam para almoços e churrascos nos finais de semana. Com a crise, eles deixaram de receber uns aos outros em casa, já que as condições não permitiam oferecer nem mesmo um copo de água. Sozinha no Brasil, a venezuelana espera que um dia sua mãe e a família consigam se juntar à ela. No momento, voltar para a Venezuela está fora dos planos.

A crise na Venezuela

     Em 2013, após a morte do ex-presidente Hugo Chávez, o vice Nicolás Maduro assumiu a presidência da Venezuela, depois de 14 anos de seu antecessor no poder. No mesmo ano foi realizada uma nova eleição, na qual Maduro foi escolhido para governar por mais seis anos. Nesse período, a economia da Venezuela já enfrentava dificuldades por conta da queda nos preços dos barris de petróleo, principal produto de exportação do país.

 

A partir de 2015, a oposição tornou-se dominante no parlamento e isso aumentou a pressão no governo de Maduro. Em 2017, ocorreram diversos protestos no país, que resultaram em muita violência e mortes, além da prisão e exílio de vários líderes da oposição que alegaram perseguição política do governo.

 

No ano de 2018, Maduro foi reeleito sob uma série de denúncias de fraude. A legitimidade do processo foi questionada não apenas pela oposição venezuelana, mas também pela comunidade internacional.

 

Dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), mostram que o PIB per capita do país caiu mais de 35% entre 2013 e 2017 e a hiperinflação chegou em 1.350.000% em 2018. Como consequência, existe hoje uma crise humanitária no país, que sofre com a escassez de produtos de primeira necessidade, como remédios e alimentos. Atualmente, metade da população vive em situação de pobreza e a violência no país também aumentou: Caracas, a capital, passou a ocupar o topo do ranking das cidades mais violentas do planeta.

 

Em janeiro de 2019, dias após a posse de Maduro, o líder da oposição, Juan Guaidó, se autoproclamou presidente interino da Venezuela. Mais de 50 países, entre eles os Estados Unidos e o Brasil reconheceram Guaidó como líder legítimo. Desde então os dois lados estão em disputa e a instabilidade política e econômica da Venezuela se intensificaram ainda mais.

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